01/04/2025
PELES DIGITAIS: A fragilidade da identidade pessoal na era de novas tecnologias vestíveis
FiloCzar
A obra é resultado de pesquisas financiadas pela FAPESP (procs. 18/06147-7, 19/14234-0, 21/03548-3, 22/09403-0), desenvolvidas no Brasil, sob orientação da Profa. Dra. Mariana C. Broens (UNESP), e no exterior, no Instituto de Filosofia do SADAF (Sociedade Argentina de Filosofia Analítica), sob supervisão da Profa. Dra. Diana Pérez, e na Universitat de les Illes Balears (UIB), sob orientação do Prof. Dr. Antoni Gomila. O livro se ancora na chamada Perspectiva de Segunda Pessoa, centrada nas relações interpessoais diretas, nas quais a comunicação não verbal é predominante, e propõe uma reflexão até aqui pouco explorada na Filosofia: uma Filosofia do Vestuário, pensada para compreender como os dispositivos digitais — que agora se vestem no corpo — se tornaram peças-chave na constituição da nossa pessoalidade.
Relógios inteligentes, roupas sensoriais, biochips, óculos de realidade aumentada, anéis biométricos e fones de ouvido com monitoramento neural não apenas modificam nosso modo de aparecer, criando novas máscaras digitais — como perfis, avatares e skins —, mas também afetam profundamente nosso modo de ser. Afinal, sair de casa sem o celular é, hoje, comparável a estar nu — ou, para não falar em nudez: “O celular se tornou uma nova peça de roupa? Assim como não saímos sem calças, também não saímos sem ele — e cada vez mais dispositivos.” Contudo, esses dispositivos também nos desnudam no sentido mais literal e preocupante: capturam, processam e compartilham volumes crescentes de dados — e dados cada vez mais pessoais, que revelam nossos hábitos, emoções, padrões de sono, níveis de estresse, localização e até microexpressões faciais.
A obra se debruça, com especial profundidade, sobre o conceito de identidade pessoal, destacando o papel das nossas relações sociais — ou, mais precisamente, dos modos de reconhecimento mútuo da condição de pessoa um no outro. Pergunta-se, então: à medida que nossas interações passam a ser cada vez mais mediadas por telas, filtros e dispositivos, não estaríamos também nos tornando mais impessoais? Mais desinibidos, mais superficiais, mais desgastados por viver numa lógica em que tudo precisa ser explícito, exibido, fotografável? Afinal, as interações genuínas — de segunda pessoa — envolvem também silêncios, pausas, olhares, hesitações... elementos qualitativos, muitas vezes invisíveis, mas fundamentais para que nos vejamos e sejamos vistos como pessoas. Seria possível, então, sustentar relações de segunda pessoa na internet? Como operar esse modo mais autêntico de colocar-se no mundo quando nossas peles são digitais — compostas de avatares, gestualidades reduzidas, tom de voz filtrado, ou mesmo de algoritmos que otimizam a visibilidade, mas achatam a profundidade?
A obra propõe ainda uma provocação metodológica: um teste de segunda pessoa, inspirado no clássico teste de Turing, pensado para os desafios de reconhecimento e autenticidade no contexto digital. “Se já erramos ao julgar identidades no mundo real, como distinguir o humano do ‘bot’ ou um perfil falso de um perfil de uma pessoa real?” A partir desse questionamento, Peles Digitais sugere uma Filosofia do Vestuário — conceito ainda pouco trabalhado, especialmente no que se refere aos impactos dos dispositivos digitais vestíveis — como lente para analisar os novos modos de ser e aparecer no mundo de hoje. Analisa-se como nossas relações, mediadas por essas tecnologias, se tornaram centrais na construção, na exposição e até na vigilância da nossa pessoalidade.
Como destaca a Profa. Dra. Diana Pérez, renomada especialista em Filosofia da Mente e Ciências Cognitivas (IFF-SADAF/CONICET, Universidad de Buenos Aires), no prefácio que escreveu para o livro: “Sem dúvida, este livro enfrenta um tema extremamente complexo e pouco explorado, mas absolutamente central para compreender quem somos. O autor, Felipe Eleutério, sugere um Teste de Segunda Pessoa — inspirado no Teste de Turing —, que avalia se as tecnologias vestíveis promovem o respeito e o reconhecimento mútuo entre as pessoas, descartando aquelas que ameaçam a privacidade, a liberdade e a autonomia humanas.”