Algumas reflexões sobre o trabalho filosófico no Brasil

Suellen Lima

Mestra em Filosofia (UFPA)

27/11/2022 • Coluna ANPOF

Constantemente paira a dúvida sobre o que faz um filósofo ou uma filósofa, e mais ainda, se realmente é necessário haver filósofos e filósofas na sociedade. Afinal, o que fazem os filósofos? Não é uma perda de tempo dedicar-se somente a pensar? É realmente útil? Para que serve? Essas questões são extremamente comuns de ser ouvidas por aqueles que dedicam suas vidas a filosofia. A curiosidade sobre a utilidade de algo ou alguém na sociedade é o mal dos nossos tempos. Se alguém é considerado inútil pela sociedade, deve ser descartado. A utilidade em uma sociedade como a nossa, uma sociedade neoliberal, tem outras facetas para além de uma simples descartabilidade prática. A desvalorização de áreas que são vistas como “perda de tempo” e sem utilidade, é um projeto não só de uma sociedade neoliberal, mas sobretudo de uma sociedade capitalista, por exemplo. Se não der lucro e um status quo, para que serve, não é mesmo? Pouco importa que você se importe com a democratização do conhecimento, trabalho crítico e reflexivo, redistribuição de renda ou igualdade, o que importa é você ser valorizado profissionalmente, e mais ainda, lucrar e muito com isto. 

O trabalho filosófico requer um esforço demasiadamente grande por aqueles que se dedicam a ele. São textos de grandes pensadores de seu tempo que se debruçaram sobre as mais diferentes questões e problemas, não só com o intuito, de uma possível resolução do problema, mas dedicados a compreender como aquele determinado conceito se reverbera na sociedade. Mais do que buscar possíveis respostas, o trabalho filosófico se atém a questionar mais e mais determinados pontos que dão margem a várias interpretações. Há debates, proliferação de ideias e argumentos sistematicamente construídos, muitas vezes, ao um ponto tão difícil, que ficamos em dúvidas se realmente somos aptos a compreender tal ideia que se apresenta. É um trabalho que não cessa, cujo espírito de busca é quase irrefreável. 

Portanto, é um trabalho extremamente entregue ao cansaço e uma angustia constante. Principalmente quando refletimos sobre a realidade brasileira, onde o cenário de desvalorização chega a ser palpável. Ser professor e pesquisador no Brasil é uma realidade árdua, porém ser professor e pesquisador de filosofia é mais ainda, por inúmeros pontos. Basta uma simples conversa trocando relatos de experiência no fazer filosófico brasileiro com amigos e colegas da área para compreender os desafios e as discrepâncias pelas quais o profissional de filosofia vive neste país. Sentimentos como desespero, frustração, falta de perspectiva profissional, hostilidade, desânimo, desamparo e esquecimento fazem parte do cotidiano daqueles que se dedicam a fazer filosofia, tanto como graduandos, pós graduandos ou graduados ou que já estão inseridos na Educação Básica Brasileira. O amor à pesquisa, à reflexão e à docência, muitas vezes é o que mais motiva a continuar na carreira, porém é crucial salientar que são profissionais qualificados que precisam ser valorizados por aquilo que sabem, por terem dedicado anos de suas vidas a uma formação profissional. Não que as outras profissões também não possuem intempéries, mas a questão é justamente porque a área de atuação não é valorizada. Pelo contrário, é constantemente atacada e negligenciada, tanto pela sociedade quanto por ações governamentais, seja por ser vista como uma inimiga perigosa por atuar com base na reflexão crítica ou por simplesmente não ser considerada essencial para a sociedade. 

Dentre esses pontos, ainda ocorre mais discrepâncias entre ser professor e pesquisador de filosofia, que diferente do que alguns possam pensar, não são separáveis. Ser professor é ser pesquisador e vice versa. Porém tem mais pontos a se delinear sobre isso. No âmbito das ciências humanas, ser pesquisador no Brasil é viver uma realidade hostil. Tanto na graduação quanto em uma pós graduação, um pesquisador, de maneira geral, é mal remunerado, não tem acesso a direitos trabalhistas, tal qual outras profissões, deve-se dedicar exclusivamente a pesquisa, caso contrário sofre as consequências, não há grandes reconhecimentos, agradecimentos ou valorização profissional. No que tange ao magistério, a hostilidade chega a atingir níveis até mais altos, ser professor é uma luta constante com adversidades das mais diversas, são escolas sem estruturas, alunos cada vez mais desinteressados no âmbito escolar, administrações escolares cada vez mais submetidas a uma arrogante hierarquia, conteúdos programáticos que sinalizam e demonstram que a educação neoliberal já é uma realidade na Educação Básica Brasileira, dentre outras questões.

Porém, deve-se salientar, que o objetivo deste singelo texto não é aprofundar grandes questões e dar holofotes ao problema do fazer filosófico brasileiro, que de certa forma, todos nós já compreendemos mais do que qualquer outro sujeito. A questão que precisamos enaltecer é que apesar de todos os pesares, continuamos seguindo, mesmo que a passos lentos, a uma possível valorização do nosso meio. Seguimos resistindo aos que desejam nos ver desmotivados e oprimidos em um canto. Somos mais do que úteis, somos necessários, principalmente em tempos sombrios como os de agora. De certa forma, subvertemos a falta de perspectiva profissional em perspectiva de fato, em um olhar esperançoso sobre o futuro, o que não significa dizer que é ingenuidade ou ilusão, afinal perder a esperança é também perder a capacidade de desejar um futuro melhor. Apesar de todo o histórico de apagamento, silenciamento e desvalorização, a filosofia sempre seguiu e continuou a lutar por sua própria sobrevivência. Dessa maneira, aqueles que se dedicam a filosofia realizam um aceno de teimosia perante aqueles que desejam silencia-la a todo custo. E isto é algo pelo qual vale a pena lutar sempre.