A violência nas escolas e a urgência da Filosofia

Jelson Oliveira

Professor do Programa de Pos-Graduação em Filosofia da PUCPR

10/07/2023 • Coluna ANPOF

Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil no dia 6 de julho de 2023, em parceria com essa coluna. 

Mais um caso de violência nas escolas abalou o país nas últimas semanas. Dessa vez, a comunidade da Escola Helena Kolody (poetisa paranaense que tanto cantou a paz), em Cambé, região norte do Paraná, assistiu atônita à entrada de um jovem armado, disparando para todos os lados. Um dos tiros matou uma jovem de 15 anos e outro levou a óbito um estudante de 17. 

A violência nas escolas é um fenômeno complexo, que não pode ser explicado ou solucionado com medidas simples. Os governos, contudo, dada a emergência do problema, obrigam-se a forjar discursos de última hora que, no geral, vão pelo caminho mais fácil: encher as escolas de polícia. Ora, a militarização da sociedade deve ser listada entre as causas – não entre as soluções – da cultura de violência que cresce desmedida desde suas formas mais corriqueiras até aquelas mais graves. Encher a escola de polícia parece ser uma medida desejável nas horas de medo, mas ineficaz a médio e longo prazo.

O enfrentamento de um problema complexo se dá com respostas também complexas. Entre as medidas estão, por exemplo, as iniciativas que promovem nas escolas o que se chama de cultura da paz, caracterizada por uma formação insistente em valores, atitudes e comportamentos que conscientizem para a rejeição à violência, apostando no diálogo, na negociação e na prevenção de eventuais situações que podem gerar conflitos e atritos no ambiente escolar e na sociedade como um todo – e que muitas vezes (como é o caso de Cambé), estão entre as motivações para ações de violência perpetradas não só na Escola, mas contra a Escola. Isso passa pelo incentivo a teorias e práticas baseadas na tolerância, no respeito, na amizade e na convivência fraterna entre as pessoas. Mais do que nunca, é preciso aprender e ensinar a viver juntos, respeitando as diferenças, celebrando as conquistas democráticas, afirmando o valor das diferentes expressões culturais e, acima de tudo, abrindo-se para a experiência da alteridade.

Não se pode esperar que esses valores surjam do acaso ou sejam transmitidos naturalmente. Esse pode mesmo não ser o caso. É preciso criar espaços e momentos de reflexão e vivência e isso inclui a inclusão de conteúdos, disciplinas, projetos e iniciativas em que tais coisas sejam discutidas e aprendidas. Ora, há disciplinas vocacionadas para isso: entre elas, sobretudo, a Filosofia, cuja presença nas matrizes escolares passa pela construção das bases mais sólidas para a construção de uma cultura de paz. As aulas de Filosofia têm papel fundamental para que nossas crianças, adolescentes e jovens possam refletir sobre suas próprias angústias, compreender as motivações históricas e sociais de seus problemas e, mais do que tudo, aprender a respeitar a vida humana, valorizando as diferenças por meio da solidariedade, da escuta, do cuidado, da aceitação e do diálogo. Por meio de seus autores/as, obras e argumentos, a Filosofia é um espólio que a sociedade humana de agora não pode prescindir. 

Quando se discute o reprovável “novo ensino médio”, baseado na formação tecnicista, reducionista e imediatista que acabou por flexibilizar a oferta da Filosofia (aparecendo apenas como parte genérica dos chamados Itinerários Formativos – sem nenhuma obrigatoriedade), é fundamental que esta disciplina e as demais ciências humanas possam retomar seu lugar na pauta educativa brasileira, como mais uma contribuição para que a paz continue sendo uma das cláusulas pétreas da sociedade. 

Agora, infelizmente, é o contrário que ocorre: no atual modelo, um estudante pode passar toda a sua vida escolar sem nunca ter a chance de refletir sobre coisas tão essenciais como aquelas supracitadas – é preciso dar lugar à Filosofia na vida das novas gerações. No fim, estamos abrindo mão de educar seres humanos plenos para formarmos apenas operários do mercado, consumidores das migalhas deixadas por essa civilização que nos retirou o gosto de viver e celebrar a vida com livros nas mãos – e não armas.

 

 

DO MESMO AUTOR

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Jelson Oliveira

Professor do Programa de Pos-Graduação em Filosofia da PUCPR

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