Ensino de Lógica na Filosofia no Brasil: Quem, como e para quê?
César Frederico dos Santos
Professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFMA e coordenador do GT Filosofia das Ciências Formais da ANPOF
Evelyn Erickson
Pesquisadora em estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Filosofia na UFSC e secretária da Sociedade Brasileira de Lógica
João Mendes Lopes Neto
Mestrando em Sistemas e Computação na UFRN (PPgSC/UFRN)
10/02/2025 • Coluna ANPOF
Quem ensina Lógica nos cursos de Filosofia no Brasil? Como é uma disciplina típica de Lógica nos cursos de Filosofia brasileiros? Essas e outras questões foram investigadas pela Sociedade Brasileira de Lógica (SBL) numa consulta online que colheu respostas da comunidade acadêmica entre os dias 9 de outubro e 8 de novembro de 2024.
Essa consulta reflete o esforço da atual gestão da SBL em destacar a importância do ensino de Lógica na comunidade acadêmica. Professores de lógica encontram-se espalhados por departamentos de Filosofia, Matemática e Computação, e há um amplo leque de assuntos e técnicas sendo ensinadas sob o guarda-chuva da Lógica. Relatos indicam que a área tem perdido espaço nos cursos de exatas, enquanto em Filosofia enfrenta desafios tanto no ensino quanto na aprendizagem. A pesquisa busca oferecer dados para embasar discussões sobre esses temas.
Nesta etapa inicial, a consulta focou em professores de Lógica para Filosofia, reunindo 61 respostas de docentes de 49 instituições de ensino superior em 22 unidades federativas. Foram 21 respondentes da região sudeste, 20 do Nordeste, 11 do Sul, 6 do Centro-oeste e 3 do Norte.
Embora os resultados não sejam generalizáveis, eles oferecem um panorama do ensino de Lógica nos cursos de Filosofia brasileiros, confirmando muitas das impressões que a comunidade tem de si mesma.
Talvez o maior exemplo disso seja o predomínio de homens entre os professores de Lógica: 85% dos respondentes são do sexo masculino. Embora a disparidade de gênero na Filosofia não seja restrita à Lógica — a título de comparação, dados da CAPES apontam que 80% dos docentes dos programas de pós-graduação em Filosofia em 2022 eram homens[1] — o predomínio masculino na Lógica parece ser ainda mais intenso.
No que se refere à formação, a grande maioria dos professores e professoras de Lógica fizeram graduação em Filosofia (80%) ou doutorado em Filosofia (87%). Mas, como era de se esperar, há professores de Lógica nos cursos de Filosofia com formação em Matemática, Física e Computação, dentre outras.
A pesquisa também trouxe dados menos conhecidos sobre a formação e experiência dos professores. Quantas disciplinas de Lógica alguém cursa antes de se tornar um professor de Lógica? Perguntados sobre isso, 46% dos respondentes disseram ter cursado entre 1 e 4 disciplinas de Lógica na sua formação; 41% disseram ter cursado entre 5 e 8; e apenas 13% cursaram mais de 8. No que se refere à experiência na docência, o tempo de experiência médio dos respondentes lecionando Lógica é de 15 anos.
A quase totalidade dos respondentes leciona em licenciaturas (93%) que têm uma disciplina obrigatória de Lógica (95%). Na maioria dos cursos, a disciplina obrigatória de Lógica é no primeiro (54%) ou no segundo ano (31%).
Os participantes também foram convidados a responder perguntas sobre suas estratégias didáticas. Quase 70% dos professores utilizam um livro-texto, que em sua maioria é o livro Introdução à Lógica, de Cezar Mortari, adotado por 52% dos respondentes. O uso de materiais em inglês é bastante restrito: 62% dos respondentes não utilizam e, dentre os que utilizam, quase 70% dizem usar alguns poucos materiais de maneira restrita.
Os recursos didáticos mais utilizados são: quadro (95%), lista de exercícios (90%), slides (59%) e participação ativa dos alunos no quadro (57%).
Como era de se esperar, os exercícios são muito importantes numa disciplina de Lógica. Mais de 80% dos professores dizem esperar que os alunos resolvam os exercícios da disciplina, e 64% computam a entrega de exercícios na nota. Quanto à correção dos exercícios, 75% fazem-na no quadro, 25% corrigem-nos individualmente, e 40% contam com a ajuda de monitores nessa tarefa. Quase a totalidade dos respondentes (97%) disse não usar softwares de correção automática.
Os tipos de exercícios preferidos incluem formalização de argumentos (passados por 90% dos respondentes), tradução de linguagem natural para linguagem formal e vice-versa (83%), construção de demonstrações lógicas usando um sistema dedutivo (78%), identificação de argumentos em textos em linguagem natural (73%) e identificação de falácias em textos em linguagem natural (57%).
Os sistemas dedutivos mais ensinados na disciplina obrigatória de Lógica são dedução natural (ensinada por 74% dos respondentes) e tablôs semânticos (ensinados por 59%). Esses números são coerentes com o predomínio da Introdução à Lógica, de Cezar Mortari, como livro texto, visto que lá são apresentados esses dois sistemas.
Os dados coletados também confirmam o domínio da lógica clássica nos cursos introdutórios. As lógicas mais ensinadas são as lógicas clássica proposicional (preferência de 91% dos respondentes) e de primeira ordem (preferência de 88%). Para além dessas, as outras lógicas mais ensinadas na disciplina obrigatória são: modais (19%), intuicionista (14%), polivalentes (12%) e silogística (7%).
A pesquisa também levantou dados sobre as competências gerais e habilidades específicas que os professores buscam desenvolver em seus alunos. Quanto às competências, 93% esperam que seus alunos compreendam conceitos básicos, como premissa, conclusão, validade, contradição e tautologia. Além disso, 83% esperam que seus alunos aprendam a analisar e avaliar argumentos em linguagem natural, e 72% desejam que eles aprendam a aplicar Lógica a problemas filosóficos. O desenvolvimento do pensamento crítico é meta para 67% dos respondentes.
Nas habilidades específicas, os resultados são coerentes. Quase todos (95%) esperam que seus alunos aprendam a identificar os elementos básicos de um argumento lógico, como premissas e conclusão; 88% esperam que eles aprendam a utilizar tabelas de verdade para avaliar a validade de argumentos; e 74% querem que aprendam a avaliar a validade e correção de argumentos em linguagem natural, identificando falácias e erros de raciocínio.
O caráter instrumental da Lógica para a Filosofia também norteia as metas de ensino dos respondentes:
- 86% querem desenvolver em seus alunos a habilidade de analisar a estrutura de argumentos em textos filosóficos;
- 58% querem que eles aprendam a utilizar Lógica para explorar questões de ética, epistemologia, metafísica, e outras áreas da filosofia;
- 56% esperam que seus alunos tornem-se capazes de aplicar princípios lógicos na análise de problemas clássicos da filosofia, como paradoxos e dilemas;
- 46% desejam que seus alunos aprendam a desenvolver argumentações complexas e rigorosas sobre temas filosóficos, com base em raciocínios lógicos.
Por certo, os objetivos de ensino nem sempre se realizam. Entre muitos alunos, Lógica tem a fama de ser uma disciplina difícil. Para esclarecer a impressão dos professores a esse respeito, a pesquisa perguntou qual o percentual de reprovação médio em Lógica. Indo contra o estereótipo, 85% dos professores responderam que mais de 60% de seus alunos são aprovados na primeira vez que cursam Lógica.
As principais dificuldades que os professores diagnosticam em seus alunos são as seguintes:
- Falta de estudo nos horários extraclasse (67%);
- Falta de preparo no ensino básico para acompanhar a disciplina (59%);
- Falta de motivação inicial (48%) ou declínio da motivação ao longo do semestre (36%).
Um terço dos professores aponta ainda a falta de carga horária para cumprir o programa esperado como um fator que dificulta o ensino.
Também não é segredo que a Lógica nem sempre goza de boa fama entre professores de outras áreas da Filosofia. Para esclarecer o que os professores de Lógica pensam a esse respeito, a pesquisa perguntou como eles acreditam que a Lógica é vista pelos seus colegas de departamento. Alguns dados:
- 60% dos respondentes acreditam que seus colegas de departamento reconhecem a necessidade de uma disciplina obrigatória de Lógica;
- 44% dos respondentes acreditam que seus colegas veem a disciplina de Lógica como preparatória para outras disciplinas;
- 66% dos respondentes acreditam que seus colegas de departamento não aceitariam o aumento da carga horária de Lógica;
- 75% dos respondentes estão certos de que seus colegas de departamento não pediriam a exclusão da disciplina obrigatória de Lógica;
- 33% dos respondentes acreditam que seus colegas não se importam ou se importam pouco com a disciplina de Lógica.
Os dados acima permitem traçar o perfil típico de uma disciplina introdutória de Lógica no universo das instituições que responderam à consulta. No curso de Lógica típico, o professor é homem, possui graduação e doutorado em Filosofia, cursou entre 1 e 4 disciplinas de Lógica ao longo da sua formação, tem 15 anos de experiência com ensino de Lógica, utiliza como livro-texto Introdução à Lógica, de Cezar Mortari, utiliza muito o quadro e listas de exercícios sobre tradução, formalização de argumentos, dedução natural e tablôs semânticos, e ensina lógica clássica. Seus objetivos didáticos concentram-se no domínio de conceitos lógicos básicos (premissa, conclusão, validade etc.) e há uma expectativa de que o aprendizado de Lógica seja útil para aprimorar a capacidade de reflexão filosófica dos estudantes. Quanto aos obstáculos, o professor típico tem a percepção de que seus estudantes não se esforçam o suficiente nas atividades extraclasse e que não há abertura entre seus colegas de departamento para o aumento da carga horária de Lógica.
Acreditamos que esse quadro pode ajudar a comunidade de pesquisadores, professores e estudantes de Lógica brasileiros a terem uma visão mais clara de si mesmos, fomentando discussões mais amplas e qualificadas sobre o papel da Lógica na Filosofia. A pesquisa reuniu outros dados que serão compilados e divulgados em breve.
Notas
[1] Relatório do Seminário de Meio Termo - Filosofia, p. 13. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/avaliacao/sobre-a-avaliacao/areas-avaliacao/sobre-as-areas-de-avaliacao/colegio-de-humanidades/ciencias-humanas/Filosofia_RelatrioSMT2023_33.pdf
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