Humanização da terra: o Eco e o Caos

Douglas Felipe Gonçalves de Almeida

Mestrando pela UFU. Graduado em Filosofia e História pela PUC Minas.

25/06/2024 • Coluna ANPOF

Para os diplomatas e entusiastas, o Dia Mundial do Meio Ambiente – 5 de junho – seria para comemorar; não tanto para os racionalistas, pois a data é um alerta contundente. Já para os ecologistas e revolucionários, o Dia do Meio Ambiente é um marco em que a tenacidade das críticas e ações em prol da vida natural ganham holofotes e espaço na mídia. Fato é que, independentemente do lado ou modo como se vive a vida, essa data simbólica tem um impacto direto e real com cada um, mais do que se imagina, estuda e/ou sente. Como Antônio Bispo dos Santos escreveu, "as pessoas foram criadas para viver no mundo e acabaram em outro" (Santos, 2023, p. 97).

Não há um nós versus natureza. Como Antônio Bispo dos Santos (2023, p. 11) aponta, "os humanos não se sentem como entes do ser animal". Primeiramente, o indivíduo humano precisa compreender-se biologicamente como parte de um complexo mundo biológico, no qual o ser humano – Homo Sapiens Sapiens – é apenas uma entre tantas espécies naturais existentes, habitantes desse mundo cósmico onde as múltiplas expressões de vida são interligadas, somos sempre com uma vizinhança, sendo sempre um como o outro – indico o filósofo Emannuel Lévinas como sugestão de leitura, numa outra ótica, a da responsabilidade ética entre os indivíduos. Outro ponto é que a terra em que habitamos não nos pertence como bem próprio individualizado, no qual gozamos de absoluto e irrestrito poder de ação e decisão – as leis naturais e humanas preponderam sobre qualquer omissão, ganância, achismo e/ou indolência.

Como se percebe através de uma leitura atenta de A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, de Charles Darwin, o indivíduo humano compartilha muitas características como a dos animais, os da vida vegetal, ao passo que, por exemplo, à semelhança das vidas das plantas, há semelhanças absurdamente existentes e reais, como a troca de gases e a dependência solar. Por mais que as considerações acima possam ser as que o ser no mundo pensa nas similitudes da vida animal/vegetal, é problemático por reforçar a proposta antropocêntrica eu versus outro [natureza], e não eu e o outro. A sensibilidade humana tende a ser aguçada pelo palpável, pelo mundo particular em direção ao mundo universal, por isso tal lógica de pensamento é aqui empregada. “Apesar de serem criaturas da natureza, os humanistas se deslocam da natureza. Daí a sua necessidade de sintetizar o orgânico e de chamar todas as vidas de matéria-prima” (Santos, 2023, p. 29).

A professora Aleluia Heringer fez a seguinte questão: "se eles [animais não humanos] pudessem falar e nós, com abertura, pudéssemos ouvi-los, o que teriam para nos dizer e ensinar em relação à defesa dos seus irmãos, os 'outros' animais não humanos?" (2020, p. 14). No campo animal, onde a razão pudesse acontecer, poderíamos, como escreveu Rubem Alves, agir numa "escutatória" em prol da vida dos bichos; todavia, se a senciência animal e as respostas vegetais não bastam para uma ética ambiental, é questionável se a fala racional dos animais não humanos faria efeito.

No campo das contradições, o meio ambiente é vítima – não única, mas a capacidade racional [na linguagem filosófica, o ser para a morte, consciente de sua finitude] da espécie Homo Sapiens Sapiens pormenoriza toda sequela que lhe advém pela degradação ambiental em modo de resposta já que há consciência no agir destrutivo. O princípio 14 da Declaração da Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente estabeleceu que "o planejamento racional constitui uma ferramenta essencial para reconciliar qualquer conflito entre as necessidades de desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente." Pela razão, as atitudes humanas gozam de uma potência de bem, mas que tantas vezes se arreda para tornar livre o espaço para o agir mal. Assim temos o "[...] antropocentrismo [, que] se revela quando o homem considera-se o dominador da natureza, desta forma poderoso" (Almeida, 1988, p. 47).

"Mais do que nunca, a natureza não pode ser separada da cultura" (Guattari, 2012, p. 25). O ethos vigente seria um aperfeiçoamento para a degradação? Já que não há ética universalmente fixa e originariamente imutável, a evolução do homem racional regrediu em sua lógica de princípios éticos? E, ainda mais, da vida cotidiana para a vida monetária, da moeda e do valor, tornaram o ambiente natural bem e/ou serviço? O meio ambiente é recurso? Se precifica e etiqueta a vegetação, a ave...? Ainda nas questões, nos atuais liceus – espaços de produção e difusão do conhecimento, universidades, escolas, bibliotecas etc. – o ambiente natural morreu em teses e dissertações?

A mesma Declaração da Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente lida acima, na parte segunda, princípio dois, faz saber que “os recursos naturais da Terra, incluindo o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e, especialmente, amostras representativas dos ecossistemas naturais, devem ser protegidos para o benefício das gerações presentes e futuras, por meio de planejamento ou gestão cuidadosos, conforme apropriado.” Após as questões acima postas, comemorar, alertar-se ou vociferar aos quatro cantos neste dia? "Assim que começamos a voltar nossa atenção em direção à prática das crises ecológicas percebemos de imediato que elas não se apresentam jamais sobre a forma de uma crise da 'natureza'" (Latour, 2004, p. 44). Isto é, a crise no meio ambiente não é uma crise do meio ambiente.

"Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro”, afirma a Carta da Terra. E o presente? A desertificação na caatinga. As cheias no Rio Grande do Sul. A sensação térmica em 60º graus no Rio de Janeiro. As queimadas batendo recorde no Brasil. Quem previu pensar os quatro elementos desta forma? Certo é que o filho de Urano e de Gaia não há de apequenar as cobranças e as consequências da crise imposta ao meio ambiente na nossa mera espera e/ou esperança de discursos e laboratórios por um meio ambiente cuidado. “Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais” (Guattari, 2012, p. 9).

Estamos, nós, humanos, necessitados de uma biointeração. Impelidos pelo amor ou tocados pela dor, inerentemente é preciso rever e refazer a rota do “desenvolvimento” para um modo de envolvimento socioambiental, uma mistura em densidades variadas que envolva ao mesmo tempo que respeita o espaço de cada elemento vivo. Considerando que a política é um campo onde a mudança das circunstâncias pode exigir diferentes formas de agir, conforme se abstrai da teoria de Maquiavel, talvez um apoio na teoria filosófica Ecosófica colocaria a pauta ambiental em lugar cuja atitude política seja de soma de forças e não dissensões e procrastinações.

“Cada vez mais, os equilíbrios naturais dependerão das intervenções humanas” (Guattari, 2012, p. 52). O compasso entre o nosso pensamento acerca do dia do meio ambiente e o ambiente/ecossistema [real] precisa ser medido e desenhado a partir da mente racional sensível, do coração pulsante enamorado para ser práxis ardente, pulsante e enérgica com vulto anseio por responsabilidade ecológica. “É preciso contracolonizar a estrutura organizativa” (Santos, 2023, p. 74). Como proferiu o neurocientista Philip Low, “não é mais possível dizer que não sabíamos”, ao se referir que há consciência em alguns animais. Do mesmo modo, das muitas ações que não há que se escapar, é necessário entender que “a vida vegetal é a vida enquanto exposição integral, em continuidade absoluta e em comunhão global com o ambiente” (Coccia, 2018, p. 13).

Os parabéns para o meio ambiente naquele dia 5 faz-nos pensar que a “celebração” talvez não devesse se esgotar tão rapidamente como acontece no tempo da canção "Parabéns para você". Aquele dia deveria ser replicado de forma crítica ao longo de toda a existência. No chão da vida, talvez o filosofar de Félix Guattari melhor exemplifique a temeridade por

conta da inação: “as relações da humanidade com o socius, com a psique e com a ‘natureza’ tendem, com efeito, a se deteriorar cada vez mais, não só em razão de nocividades e poluições objetivas, mas também pela existência de fato de um desconhecimento e de uma passividade fatalista dos indivíduos e dos poderes com relação a essas questões [da ecologia] consideradas em conjunto” (2012, p. 23). O 5 de junho precisaria estar reverberando ainda.

Sair da impositiva e destrutiva humanização da terra para uma terra em que há humanos em interações dependerá da recaída da centralidade do ser humano do lugar em que ele mesmo se autocolocou por meio de múltiplos amores – a terra, a vida, a existência, ao bom, belo... –, atitude reflexiva, crítica e prática de deposição do caos do ego para, enfim, liberdade do eco.


Referências

ALMEIDA, Jozimar Paes de. A extinção do arco-íris: ecologia e história. 1988. DOS SANTOS, Antônio Bispo. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu Editora, 2023.GUATTARI, Félix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 2012.

LATOUR, Bruno. Políticas da natureza: Como fazer ciências à democracia. Editora Edusc, 2004.

TEIXEIRA, Aleluia Heringer Lisboa. Animal não Humano: presente!: reflexões sobre a educação e a relação entre animais humanos e não humanos. 1ª. ed. Belo Horizonte: Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais | PGJMG, 2020. v. 01. 64p.


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