Panorama do NEM nos IFs

Gedeli Ferazzo

Profa. Ma. (IFRO)

Gabriel Kafure da Rocha

Prof. Dr. (IFSertãoPE)

02/08/2023 • Coluna ANPOF

No atual estágio de desenvolvimento do capital, as forças econômicas impõem os princípios do mercado como referencial obrigatório para todas as dimensões da vida social, resultando no esfacelamento da formação humana e, consequentemente, o embrutecimento do ser humano. No âmbito da educação se conclama um projeto educacional capaz de promover as habilidades necessárias para submissão às novas formas instáveis e precárias de trabalho flexível. Daí decorre a contrarreforma do Ensino Médio (Lei 13. 415/2017 e seus derivativos), que expressa um projeto pedagógico flexível, afinado com o permanente movimento do capital.

Ancorada no princípio da flexibilização curricular, a reforma do Ensino Médio, impôs a essa etapa da educação básica impôs retrocessos significativos, de cunho extremamente privatista e conservador, promovendo assim o esfacelamento do currículo, a redução dos espaços formativos da juventude pobre e a precarização das condições de trabalho docente. 

Todavia, as propostas que são lançadas à sociedade, se constituem em um embate aberto de disputas, travado por forças divergentes da sociedade. Disso decorre o próprio papel de resistência e luta desempenhado por algumas instituições na defesa de uma educação pública e de qualidade frente ao desmonte educacional. Como é o caso da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – RFEPCT, na oferta de uma educação profissional e tecnológica. 

A RFEPCT, foi instituída em 2008 por meio da lei n° 11.892/2008 que cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs). Os IFs consolidaram-se na oferta do Ensino Médio Integrado - EMI de uma Educação Profissional Tecnológica (EPT), tendo como princípio a oferta de uma formação politécnica e omnilateral. A proposta que fundamenta a oferta do Ensino Médio Integrado nos IFs, visa a superação da dualidade educacional, por meio da integração de diferentes áreas do conhecimento em um projeto educativo unitário.

Oficialmente, nenhum Instituto Federal da RFEPCT aderiu ao Novo Ensino Médio- NEM, já que dispõem de autonomia didático-pedagógica. Poderíamos afirmar que os IFs seriam, potencialmente, o modelo de um Outro Ensino Médio, cuja característica profissionalizante seria até mesmo um modelo para se contrapor ao NEM. Contudo, antes de podermos vislumbrar abertamente esse horizonte, precisamos ou reformar ou revogar o NEM. O NEM muitas vezes parece ser uma espécie de hóspede invisível, que encontrou arcabouço nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica (Res. no 01/2021), alinhadas aos pressupostos da reforma do Ensino Médio. Soma-se a isso, outros condicionantes de ordem normativa e financeira que compelem a adequação dos IFs ao currículo do NEM. 

Por se tratar de uma proposta educativa contra hegemônica, a subalternidade histórica do capital, o Estado, paulatinamente, vem ratificando os mecanismos e formas de gestão compelindo a adesão dos IFs a políticas educacionais mercantilistas. Nesse contexto, desde 2016 a RFEPCT padece com as pressões governamentais para elevação do índice de eficiência acadêmica, condicionados aos cortes orçamentários (EC nº 95/2016)  e ao relativismo didático-pedagógico que atravessam a gestão da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC, colaborando para o processo de precarização e esvaziamento do currículo do Ensino Médio Integrado. 

Contrário a uma formação integral dos educandos, a atual reforma do Ensino Médio, ao instituir os itinerários formativos e a obrigatoriedade do ensino apenas das disciplinas de Matemática, Língua Portuguesa e Língua Inglesa, isto incide diretamente na insolvência dos conteúdos e na perda da identidade epistemológica de disciplinas. Como é o caso das disciplinas de Filosofia e Sociologia, que após 40 anos excluídas do currículo do Ensino Médio, haviam sido incorporadas nos três anos dessa etapa da educação básica, pela Lei nº 11.684/2018,  e agora, com a Lei 13. 415/2017, novamente perdem sua obrigatoriedade no Ensino Médio. 

Diante desse contexto, promoveu-se uma pesquisa sobre os impactos da contrarreforma no Ensino Médio Integrado de 38 IFs, no que tange a presença/ausência da filosofia em todos os anos do EM no currículo da EPT.  Para tanto, foram analisados os Projetos Pedagógicos de Curso dos 38 IFs, tomando como critério para o recorte, o PPC mais recente aprovado pela instituição. Ressalta-se que, diferente da organização curricular da rede Estadual, em que o currículo é padronizado, no âmbito dos IFs, cada campus e curso possui autonomia para a definição de sua matriz curricular e elaboração dos projetos pedagógicos, com poucas exceções. 

Figura 01 – Mapa da presença/ausência da Filosofia no Ensino Médio Integrado dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia   

Elaborado pelos autores (2023)

Dos 38 PPCs consultados, 63% conservaram a filosofia em todos os anos do EMI, em 21% a filosofia consta em 2 anos do EMI e em 16% a filosofia permaneceu em apenas 1 ano do EMI. Um dado inquietante é verificar que em alguns IFs, as disciplinas de filosofia e sociologia foram mescladas em uma disciplina denominada “Formação Humana” ou “Humanidades”, o que revela o processo de secundarização e desconstrução da identidade epistemológica, bem como de apagamento do conhecimento sistematizado produzido historicamente por cada área. O que demonstra a total sintonia com a BNCC, no enquadrando das áreas de conhecimento e no enxugamento do currículo.

Outro fator que deve ser destacado, quanto a permanência da filosofia em todos os anos do EMI, no âmbito dos IFs, perpassa pelo campo de disputas de cada área do conhecimento na construção do currículo e a garantia de docentes. Ocorre que, a desobrigação da disciplina de filosofia do currículo do NEM, ofereceu a justificativa ideal para muitas instituições em solucionar a problemática da falta de docentes, excluindo ou mesclado disciplinas, aleijando o currículo e, consequentemente, a possibilidade da plena formação humana. 

Nesse campo de disputas, a desconstrução da garantia da filosofia em todos os anos do EMI encontra terreno fértil na histórica dicotomia entre conhecimentos propedêuticos e técnicos, a qual, por muitas vezes, secundariza o papel da filosofia na EPT. Sabe-se que a filosofia possuí um potencial de reflexão sobre a própria técnica e tecnologia, de modo que, a filosofia é fundamental para a compreensão da totalidade dos processos produtivos, contribuindo com a superação da profissionalização estreita. 

Embora a proposta educacional dos IFs, pauta-se no princípio da formação humana integral, o estudo demonstrou que a garantia da oferta da filosofia em todos os anos do EMI, está sendo secundarizada e até mesmo suprimida da organização curricular. Reduzir o currículo do EMI a conteúdos mínimos, não corresponde a uma formação politécnica e omnilateral, contrário a isso, revela um modelo formativo pautado nas forças do mercado. 

Por fim, conclui-se que as estratégias de lutas e a defesa do EMI perpassa na garantia de um currículo que possibilite a apropriação do que a humanidade tem produzido social e historicamente, em todas as áreas da ciência e da vida humana.