Radar Filosófico - A parrhesia sob o olhar de Foucault
Vanessa Kiewel Cordeiro
Doutoranda em Filosofia pelo PPG Metafísica da UnB
05/11/2024 • Coluna ANPOF
O artigo A parrhesia sob o olhar de Foucault explora a análise foucaultiana do conceito de parrhesia no contexto filosófico e histórico. Parrhesia, do grego, significa a fala da verdade. Nosso foco é a visão de Michel Foucault sobre esse conceito, especialmente em suas aulas e escritos finais entre 1980 e 1984. Relacionamos essa análise com os filósofos estoicos e cínicos, como Epicteto e Sêneca, e investigamos o papel da parrhesia na antiguidade clássica.
Explicamos que, para Foucault, a parrhesia não é apenas a fala verdadeira, mas implica coragem, risco e uma relação de poder. O parrhesiastes - aquele que fala a verdade - deve estar em uma posição de vulnerabilidade em relação ao seu interlocutor, correndo riscos por sua franqueza. Foucault define três tipos de parrhesia: política, filosófica e político-filosófica. A política envolve a coragem de enfrentar o poder; a filosófica está relacionada à busca da verdade interior, exemplificada na ironia socrática; e a político-filosófica, ou vida da verdade, é uma combinação das duas anteriores, vivida de forma extrema pelos cínicos e estoicos.
Entretanto, discordamos de Foucault em um ponto central: não acreditamos na existência da parrhesia filosófica isoladamente. Para nós, a parrhesia sempre está ligada a uma ação política, tornando-se, portanto, parrhesia político-filosófica. Não vemos a possibilidade de uma prática de dizer a verdade que não envolva também uma dimensão política, dado que a verdade falada, especialmente em contextos de poder, inevitavelmente impacta a estrutura política. Essa interdependência entre filosofia e política, ao nosso ver, é intrínseca ao conceito de parrhesia.
Além disso, enfatizamos que os estoicos, cínicos e cínico-estoicos praticaram a parrhesia enfrentando os poderosos em prol do bem comum e maior, independentemente dos riscos que isto pudesse lhes trazer — e de fato trouxe. Muitos deles foram condenados ao exílio e, até, à morte. Essas figuras, como Epicteto, Sêneca e Demétrio, colocaram em prática a coragem da verdade, mesmo sabendo das severas consequências que essa atitude lhes reservava. O ato de falar a verdade diante do poder era, para eles, um dever ético em benefício de toda a humanidade.
Destacamos a importância da vida de filósofos como Diógenes e Epicteto no contexto da parrhesia cínico-estoica. Para esses pensadores, a vida verdadeira envolvia viver de acordo com a natureza e o Cosmos, desafiando convenções sociais e políticas. A coragem de enfrentar os poderosos com a verdade era central, mas também o era a prática de uma vida filosófica plena, como missão divina. Contudo, essa missão de vida cínico-estoica não pode ser escolhida; trata-se de uma missão divina dada por Deus, um papel que o indivíduo deve cumprir no Cosmos, como parte de sua responsabilidade para com o Todo universal.