Radar Filosófico - Uma reflexão sobre a crítica de Nietzsche à razão e ao niilismo

Clodoaldo da Luz

Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná

14/10/2024 • Coluna ANPOF

Na contemporaneidade, temos observado o quanto nós, seres humanos, animais racionais, temos agido de modo desumano e irracional.  Um exemplo disso é que as duas grandes guerras mundiais que ceifaram tantas vidas ocorreram no século passado.

A percepção dessa realidade, conjuntamente com o ideal defendido de que a razão poderia legar ao homem uma realidade mais próspera, leva-nos ao questionamento se a racionalidade, tão defendida nas Revoluções do século XVIII – Revolução Industrial de 1776, Revolução Francesa de 1789 -, realmente levaria a humanidade ao seu aperfeiçoamento pessoal e no seu aspecto relacional.

Nesse sentido, a crítica de Nietzsche (1844-1900) à razão apresenta-se, hoje, cada vez mais significativa. Pois, além do cenário atual, segundo o filósofo, a razão retira do ser humano toda a sua capacidade instintiva e, de modo consequente, descontrói a unidade que constitui a pessoa. Isto porque, o ser humano, como animal racional, ao desprezar tudo que pertence à sua animalidade, instintividade, acaba se desumanizando, pois visa saciar a sua fome de poder, por meio da qual tende a de servilizar os seus semelhantes.

No referido artigo tem-se a intenção de refletir sobre como a razão direciona o ser humano à negação de si e, consequentemente, ao nada. Para tanto, há a reflexão acerca desse niilismo, ao desejo e ato de auto anulação, partindo das reflexões de Nietzsche que estão contidas nas suas obras póstumas Fragmentos póstumos: outono 1885 – outono 1887 e Vontade de Poder. Fora a irmã do filósofo, Elisabeth Föster-Nietzsche que, por causa da enfermidade de seu irmão, ficara em posse do caderno pessoal do seu irmão e de suas anotações pessoais, tornando, após a morte de Nietzsche, pública a sua reflexão filosófica sobre o niilismo. São essas obras póstumas do filósofo – publicadas em 1900 -, que contém sua mais dura crítica acerca desse legado da racionalidade ao ser humano, do niilismo que a razão direciona à humanidade. 

Além de tais obras póstuma, com o intuito de investigar o quanto a razão, segundo a discussão filosófica de Nietzsche, quebra a unidade que há no ser humano, fazendo a pessoa a desprezar a sua instintividade; também há a investigação sobre o questionamento que o referido filósofo tece acerca da razão na sua obra de 1873, Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral.

Iniciando a reflexão por essa obra, fora apontado que a razão é, segundo Nietzsche, um mecanismo de sobrevivência do ser humano. Não sendo   a racionalidade o aspecto que representa a pessoa na sua totalidade. Além do que, a razão faz o ser humano preterir a instintividade, a qual é aspecto fundamental da pessoa.

No contato da crítica de Nietzsche ao niilismo, presente nas suas obras póstumas

Fragmentos póstumos: outono 1885 – outono 1887 e Vontade de Poder, reflete-se a vontade de poder inscrita na razão humana, por meio da qual o brasileiro Alberto Santos Dummont, um dos criadores do avião em 1906 – também os estadunidenses, os irmãos Wilbur e Orville  Wright, foram importantes para a criação do avião – frustrasse ao saber que sua invenção – que na sua intenção seria a de encurtar as distâncias, ajudando o ser humano na sua locomoção -, fora amplamente utilizada como arma na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Igualmente, de modo paradoxal, mas também significativo, essa vontade de poder, presente na razão, fez com que o químico alemão, Fritz Haber, descobrisse junto com Max Born, físico alemão, em 1918 a síntese da amônia. A descoberta Haber e Born fora importante para aumentar a produção agrícola – ajudando a amenizar a fome de milhões de pessoas -, mas a real intenção de Haber era a de assegurar a vitória alemã na Primeira Guerra Mundial. O armamento alemão utilizado na referida guerra era baseado nas fábricas de amônia que usavam a descoberta de Haber e Born, as quais não mudaram o panorama do primeiro conflito global, mas o estendeu por três anos.

Perante essa reflexão da vontade de poder, legado à humanidade pela razão, pode-se notar que o ser humano fragmenta-se e, nesse processo de quebra, desvirtua a sua busca pela paz, ao mesmo tempo em que, de maneira paradoxal, o intento de visar o conflito leva a diminuir a fome através do aumento da produção agrícola.

Assim, pode-se ressaltar que, hoje, testemunhamos a importância da crítica de Nietzsche sobre o niilismo e a razão. Pois, na sua crítica, ao evidenciar a cisão do ser humano - na qual um aspecto fundamental da humanidade, a instintividade, é preterida em prol da preponderância da razão – Nietzsche indica-nos que a racionalidade não solucionou nem resolve os problemas contemporâneos que atravessa a humanidade. Pelo contrário, além de não os resolver, leva o ser humano a diversos conflitos que ocorrem atualmente.

Artigo publicado na Revista Kínesis, v. 16, n. 40 (2024), p. 148-163. | Acesse aqui