Radar Filosófico: Perspectivas ecofeministas: interconexões, estruturas conceituais e consciência feminista ao movimento ecológico

Priscila Ladwig

Bacharel em Filosofia (UFRGS)

02/05/2023 • Coluna ANPOF

O ecofeminismo é uma vertente do movimento feminista que conecta a luta pela igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres com a defesa do meio ambiente e sua preservação. Enfatiza a interconexão entre vida, natureza e ambiente com a visão de mundo das mulheres e aborda a exploração da mulher e da natureza através do controle machista, onde existe um sistema de opressão caracterizado pela relação de subordinação às quais as mulheres e a natureza são submetidas pelos homens. Uma das causas da destruição ambiental, que carrega uma dominação machista sobre mulheres e natureza, é o androcentrismo. Nos séculos XVI e XVII, a revolução científica trouxe um novo conhecimento da natureza na forma de leis e da filosofia mecanicista, onde a natureza apresenta-se como matéria passiva, inerte e morta, por um lado, e uma matemática funcional, por outro. Aqui já se apresenta uma conotação sexista, onde a passividade sempre foi e é exigida por parte da mulher, e o que exerce, forma expressões e conhecimento, é o homem. Algumas ecofeministas levantam a problemática do dualismo como dominação injustificada da natureza. Presentes no racionalismo, estes dualismos de valor opostos humano/natureza, originaram outros dualismos que são prejudiciais, pois são marcados por características excludentes, valorizando mais uma característica do que outra ao invés de se complementarem, como por exemplo espírito/corpo, razão/emoção e masculino/feminino, que além de androcêntricos são antropocêntricos. 

A relevância da linguagem para as ecofeministas tem base nos estudos do filósofo Wittgenstein, pois ela reflete o conceito de si e do mundo subjetivamente, onde pode vir a manter e reforçar ideias de preconceito e exclusão, como o racismo, sexismo e naturismo (dominação injustificada da natureza). Uma das estruturas conceituais opressoras é a chamada “Lógica de Domininação”. Karen Warren no seu livro

“Ecofeminist Philosophy” identifica algumas características em tais estruturas. Warren ainda afirma que o determinismo biológico posiciona as mulheres biologicamente mais próximas à natureza do que os homens, em virtude de suas capacidades reprodutivas (a natureza da mulher). 

Diversos dados empíricos demonstram a ligação entre mulheres e destruição ambiental como exposição à radiação, a pesticidas, a toxinas e as consequências das políticas de desenvolvimento do Primeiro Mundo. Segundo a ONU, as mulheres representam 80% do total de pessoas que são obrigadas a deixar seus lares e refugiar-se em outros lugares como consequência das mudanças climáticas. Isso acontece porque as mulheres têm maior probabilidade de viver em condições de pobreza e menor poder socioeconômico, o que por fim faz com que tenham mais dificuldades em se recuperar de situações extremas como desastres naturais. 

Embora sejam mais afetadas, mulheres são as que menos responsabilidade têm na devastação do meio ambiente. Um relatório divulgado pelo Fundo para População das Nações Unidas mostra que as mulheres mais pobres em países menos desenvolvidos são as principais afetadas pelo clima e ao mesmo tempo são as que menos contribuem para o aquecimento global. Justamente por ganharem menos, as mulheres em geral têm um papel menor na contaminação e destruição dos ecossistemas. Diversos relatórios de ONGs apontam que as mulheres são as primeiras vítimas da devastação do meio ambiente, mas também exercem um papel chave para a defesa da natureza. 

Em 1974, vinte e sete mulheres de Reni, no norte da Índia, abraçaram as árvores, impedindo que os lenhadores derrubassem-nas. O protesto das mulheres, conhecido como “Movimento Chipko” (“chipko” em hindi significa “abraçar”), salvou 12.000 quilômetros quadrados de uma bacia hidrográfica sensível. Este movimento reforça a ideia da conexão entre mulheres e natureza, pois desde antigamente se tem registro que as mulheres eram especialistas em conhecer e utilizar os recursos que a natureza em volta oferecia, como ervas medicinais, tinturas naturais, combustível para fogo, etc.

A filosofia ecofeminista tem por coerência lutar para salvar todas as formas de opressão e dominação. Existe um trabalho em prol da superação do machismo que deve atuar em favor tanto do ambiente como das mulheres, pois em nível conceitual, as duas lutas são uma só. É necessário que se desconstrua o dualismo de valor, que perpetua a desvalorização das mulheres e da natureza e promovem as divisões, mantendo assim um eterno ciclo de abusos e discriminação com ambas. O fato de as mulheres serem mais afetadas com as crises ambientais é refletido em suas condições econômicas, sempre expostas a maiores condições de pobreza do que os homens. A natureza é devastada e os animais são explorados pela mesma lógica discriminatória e exploradora que vê certos grupos de humanos, e os não-humanos, como meros objetos. O machismo é um sistema insalubre que pode ser rompido por meio de uma intervenção política, econômica, social, viabilizada justamente pela perspectiva ecofeminista, que se relaciona também com o empoderamento e a não violência. 

Biografia 

Priscila é formada em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente com 37 anos e mãe de um casal de adolescentes, tenta estudar duante todo tempo livre para um futuro mestrado, focado na área da ética do cuidado. 

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