A posse de Donald Trump e a suposta restauração do 'bom senso'

23/01/2025 • Notas e Comunicados

Profa. Dra. Mariana Broens (Unesp) e Diretoria Anpof

Na segunda-feira 20 de janeiro acompanhamos a posse de Donald Trump como novo presidente dos Estados Unidos da América. Em seu discurso, Trump basicamente retomou suas promessas de campanha, reiteradas então como políticas prioritárias de seu governo.

Donald Trump anunciou que, ainda naquele dia, ele “assinaria uma série histórica de decretos presidenciais com os quais se iniciaria a restauração completa da América e do bom senso. É tudo uma questão de bom senso”, disse ele.

Mas as promessas feitas e as medidas assinadas expressam uma mistura abjeta de negacionismo científico com fundamentalismo religioso, preconceitos de toda sorte e desrespeito aos direitos civis e à dignidade das pessoas. Essas medidas, obviamente, foram adotadas em defesa dos interesses de uma elite, que dividiu com Trump o palco da posse, no qual se destacaram os representantes das grandes empresas de tecnologias de informação e comunicação.

Algumas das principais medidas dizem respeito a mudanças na política de imigração e segurança fronteiriça, o fim do direito à cidadania por nascimento, o fim do programa de proteção a imigrantes menores de idade, a retomada de construção do muro na fronteira com o México, a redução do número de vistos de trabalho temporário e de refugiados admitidos anualmente, a restrição de concessões de asilo, entre outras.

Em relação à energia e ao meio ambiente, decretou a retirada dos EUA dos acordos de Paris sobre mudança climática, a liberação para perfurações de petróleo em áreas protegidas, a permissão para exploração de minérios em áreas indígenas e o cancelamento de subsídios para fontes de energia renovável, entre outras.

Quanto a políticas sociais inclusivas e diversidade, Trump eliminou os programas de diversidade, equidade e inclusão no setor público, a obrigatoriedade de redefinição oficial de gênero baseada no sexo biológico, o cancelamento da obrigatoriedade de seguro-saúde cobrir custos com contraceptivos, a redução de políticas de combate à discriminação no local de trabalho, o fim do financiamento para pesquisas sobre equidade racial, entre outras.

No que se refere às políticas de saúde, Trump retirou os EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), revogou a expansão do Obamacare, cancelou subsídios para medicamentos de alto custo, autorizou a negação de cobertura de saúde por razões religiosas e eliminou as diretrizes sobre saúde mental em ambientes de trabalho, citando algumas das medidas de maior impacto.

Por fim, quanto à justiça e a segurança pública, no dia dedicado à lembrança da luta de Martin Luther King pelos direitos civis e depois de agradecer os votos das comunidades negra e latina, Donald Trump assinou decretos reduzindo as diretrizes sobre violência policial, cancelando programas de fiscalização de crimes de ódio, restringindo o direito de voto pelo correio, proibindo o ensino de “teoria crítica da raça” em escolas públicas e reduzindo programas de reabilitação de egressos do sistema penitenciário, entre outros.

Estas medidas não são fonte de preocupação apenas para os cidadãos estadunidenses e os estrangeiros que lá residem. As políticas ambientais, de saúde, de educação e de segurança interna e externa impostas por Trump, infelizmente e a nossa revelia, alcançam todos os habitantes do planeta.

De modo a evitar que se repita algo semelhante em nosso país, precisamos, a partir de agora, buscar também entender por que as promessas de implantar políticas tão nefastas e destrutivas para a maioria das pessoas passaram a compor o campo discursivo do “bom senso” e levaram Trump para uma vitória tão expressiva nas eleições.

Caso contrário, pode ser que falas negacionistas, preconceitos expressos sem pudor ou vergonha, recusas de financiamento a pesquisas, censura a conteúdos programáticos, violência simbólica ou física e o som de gritos e motosserras não permitam, novamente, que sejam ouvidas, debatidas e implementadas as medidas em defesa da dignidade de todas as pessoas, em todas as suas formas.