ONDE ESTÁ A FILOSOFIA NO NOSSO DIA A DIA?

Jefferson Portugal Nunes Freire

26/07/2023 • A ANPOF e o Ensino Médio

O profissional da área da Filosofia vez ou outra escuta uma insistente e lamentável pergunta por aí: “– E o filósofo faz o quê?”, ao que respondemos meio sem jeito que a filosofia discorre sobre várias questões da vida (para ser bem claro e objetivo), questões de política, religião, ética, estética, lógica, a mente humana etc. Mas vivemos num país onde percebemos nitidamente que o pensar filosófico nunca foi posto em muita evidência no panorama geral da sociedade. Tem-se a “imagem” estereotipada (digamos assim) de que o profissional da Filosofia é um sujeito rodeado unicamente de livros, café e conversa estranha em ares “elitizados”. Que pode haver quem faça jus a essa “imagem”, pode haver, porém não é isso que constitui o verdadeiro indivíduo que lida com a Filosofia profissionalmente e por gosto mesmo, e temos a longa história da Filosofia para atestar isso: a começar por Sócrates, que perambulava pela velha Atenas a instigar as pessoas a um pensar filosófico (o que era de se imaginar: incomodou gente e se deu mal condenado a morte); pensadores ao longo do tempo que lutaram e mesmo morreram por sua atividade filosófica (Sócrates, novamente, foi condenado a beber cicuta e assim morreu, Voltaire teve seu Dicionário Filosófico queimado diante de todos, Marx morreu empobrecido, Nietzsche – solitário, para citar só quatro exemplos dentre vários).

O indivíduo que trabalha nessa área (Filosofia) aqui no Brasil parece ter sempre sofrido com certa indiferença social diante dele. É sabido por todos que durante a tal Ditadura Militar (1964-1985) a disciplina de Filosofia saiu das escolas, retornando paulatinamente em meados e fins dos anos 80 (onde com a urgência da necessidade de filosofar foi feito naquele momento a obra Curso de Filosofia organizada por Antonio Rezende, “para professores e alunos dos cursos do ensino médio e de graduação”, como diz na capa, e o livro já vai em sua 18ª edição! E num trecho importante da apresentação da obra o organizador diz: “O presente manual pretende ocupar esse espaço no setor específico do saber filosófico, querendo contribuir, em nível de iniciação, para a formação da inteligência crítica de seus destinatários. Para isso, ir aos filósofos mesmos constitui a mediação reconhecidamente necessária. Porque o espírito filosófico não se pode formar senão pelo contato direto com as filosofias e com os filósofos.”), e tal fala de Rezende merece toda a corroboração. Mas vez ou outra põe-se em suspensão a obrigatoriedade do ensino de Filosofia, em detrimento de outras áreas “mais importantes” (como assim?).

Com esse “estranhamento” de parcela da sociedade em relação à Filosofia, e, consequentemente, certa ojeriza à figura do pensador dessa área, tudo isso só contribui para ouvirmos repetidamente a pergunta da qual falamos no início deste texto: e o filósofo faz o quê? E acrescenta-se: quem é o filósofo? Há filósofos no Brasil ou só comentadores de filósofos? E mais: onde está a Filosofia no nosso dia a dia? Porque hoje vemos o proeminente referencial ao psicólogo, psicopedagogo, assistente social (com todo respeito aos tais), em todo concurso e seletivo praticamente tem que haver vagas para esses profissionais! E para o jovem licenciado plenamente em Filosofia? Não há necessidade alguma da milenar atuação do pensar filosófico nas escolas do nosso país? E com isso o jovem formado tem que “se virar” noutros serviços que eventualmente surjam, para obter seu pão, tornando-se assim dramaticamente mais um “socialmente vulnerável” (independente de cor e gênero)? O que com isso desestimula a mais pessoas ingressarem nos cursos acadêmicos de Filosofia, gerando um “efeito dominó”: 1º se não tem emprego para o professor de Filosofia nos Ensinos Médios e Fundamentais, 2º então não é promissor ingressar no estudo profissional dessa área, porque (3º) esbarrar-se-á no desemprego que já suspeitava, 4º também diminuindo alunos nas faculdades de Filosofia, (5º) por que mais professores atuarão nas universidades (sem seus alunos)? Vê-se aí que é toda uma situação complexa.

A quem incomoda a Filosofia desde os tempos “pré-socráticos”? Por que esse descaso ao professor de Filosofia? Incomoda a quem não quer pensar nem deixar seus subalternos pensarem. E o descaso se dá para que nem se fale nesse assunto. Para muitos é “mais prático” rápidos diagnósticos óbvios de “autoajuda”: “Pratique esporte”, “Ame mais”, “Não fume tanto”, “Ouça uma música que lhe agrada” ... E isso basta, vindo da boca de qualquer doutor de esquina. Mas o fenômeno da vida é bem mais amplo e sério e quando menos se espera nos deparamos com algo (no dia a dia mesmo) que nos espanta, deixa-nos perplexos (origem do filosofar, como ensina Platão, Aristóteles), e nos perguntamos: “Que é isto – a vida?” Pergunta que gera o filosofar, a procura pelo ser do ente (para falar como Heidegger), ou melhor: pelo ser das coisas (Ortega Y Gasset). Por não vermos desde cedo a Filosofia em aulas acaloradas nas escolas de nosso país, então nem se percebe que ela na verdade está premente em nosso cotidiano quando menos se espera, quando surge uma “falta”, uma “lacuna” nas coisas que vemos, como aponta Jean-François Lyotard em Por Que Filosofar? e conclui dizendo por que filosofar: “(...) porque existem a alienação, a perda daquilo que se acreditava conquistado e a distância entre o feito e o fazer, entre o dito e o dizer, e finalmente porque nós não podemos escapar a isso: dar atenção à presença da falta mediante nossa fala. Falando sério, como não filosofar?” E se os alunos são privados desse pensar filosófico, que importância dará a sociedade no geral ao profissional dessa área?

Por fim: podemos ver que o pensar filosófico pode se dar a todo momento, no nosso dia a dia. Portanto é de esperar que hajam professores de filosofia em abundância nas escolas do Brasil! Mas não é assim. Pior ainda: delega-se tal função ao primeiro professor (de qualquer outra disciplina) que precise simplesmente “completar” sua carga horária! E mais: concursos e seletivos, em maioria, quando nem abrem vagas pro professor de Filosofia apenas colocam 1 ou 2 vagas para um município de milhares de pessoas! Absurdo! E então: quem decide (finalmente) empregar ou desempregar a esses profissionais? Quem decide fazer ou não um concurso ou seletivo para os seus concidadãos? Quem decide a canetadas quantas vagas terão para o professor de Filosofia num concurso ou seletivo? Afinal, “Pode-se impedir o filósofo de estar aí, de se fazer presente com sua falta na sociedade, de interpelar, por exemplo, o responsável pelo culto e de lhe perguntar inocentemente o que é a piedade, como Sócrates fazia. Pode-se impedir o filósofo de fazer isso, pode-se relegá-lo a um lugar qualquer, à parte, de modo que sua vacância não faça muito barulho”, como ironicamente denuncia Lyotard (citando-o novamente na obra supracitada). E o descaso gera a ignorância (perante o existir da Filosofia) e o desemprego (para aquele que dedicadamente se formou em Filosofia).

Jefferson Portugal

(Licenciado em Filosofia – UESPI)

24, julho, 2023