Apresentação

V. 16, N. 1 • Conjectura: filosofia e educação

Autor: Paulo César Nodari e Everaldo Cescon

Resumo:

Que no nosso País haja um défice de cultura ética, está amplamente demonstrado pela observação direta dos fatos macroscópicos de corrupção política e econômica que atacam não só a elite que está no poder, mas também as pessoas comuns, sobretudo - e não só - em relação a fenômenos como a evasão fiscal, a ponto de levar algum intelectual à amarga constatação de que a ética está morta. Há um sistema de corrupção difundida que ataca toda a sociedade e envolve, de diversos modos, todos os cidadãos. Há problemas de superfície, mas que remetem a mudanças mais profundas.

Fica a convicção de que as raízes dos nossos problemas sociais e políticos são muito antigas. Evidentemente, com isso não se pretende absolver as nossas responsabilidades, mas buscar as razões mais profundas. Há um sistema subterrâneo de corrupção que ataca toda a sociedade e envolve, de diversas formas, cada cidadão. O fenômeno das favelas, portanto, não é somente um problema social, mas sobretudo uma questão moral que revela a deterioração da moralidade pública e a falta de sentido do Estado e da comunidade.

Assim, o presente número da revista Conjectura apresenta contribuições de diversos pesquisadores em torno da Ética.

O texto de abertura é do professor Cristoph Horn e procura traçar a diferença entre a filosofia moral antiga e a filosofia moral moderna. Segundo o autor, os antigos queriam saber a resposta à pergunta segundo a vida boa. Eles queriam saber a razão/motivo de condução da vida humana para o bom resultado ou para o fracasso e assim conduzir a práxis individual. De outro modo mostra-se a filosofia moral moderna que prioriza o interesse nos princípios e nos problemas de fundamentação moral, nos casos de conflitos políticos relevantes e nos campos de aplicação social precários. O acento da filosofia moral antiga está centrado no agente (agent-centered), enquanto que na filosofia moral moderna, no ato (act-centered). Central para os antigos estava a qualidade moral da pessoa agente, central para os modernos é a pergunta acerca do valor moral das ações de acordo com sua ligação e fundamentos para isso.

Em seu texto, Jesús Arraiza defende a hipótese de que, segundo Aristóteles, a vida contemplativa consiste no ato do intelecto e no ato da percepção sensorial. Segundo sua interpretação, a felicidade aristotélica, no sentido de felicidade contemplativa, consiste portanto numa atividade que somente é possível durante a vigília, quando não nos encontramos tomados em qualquer dos apetites e paixões que obstaculizam nosso contato com nossa realidade interna ou externa. Alcançar a contemplação neste sentido é algo como perceber que vemos quando vemos, perceber que escutamos quando escutamos, perceber que pensamos quando pensamos, e perceber que existimos quando percebemos que percebemos e que pensamos. E tanto mais felizes seremos, de acordo com sua interpretação, quanto mais capazes formos ao longo da nossa vida de pôr em ato esta faculdade sensorial em relação a nossos próprios sentidos e intelecto.

Marly Carvalho Soares expõe o Direito Abstrato da Filosofia do Direito de Hegel com destaque ao direito de ter nas suas explicitações: a personalidade, a possessão, a propriedade, o contrato, a injustiça e a violência. A argumentação de Hegel consiste em criar as condições necessárias para que uma vida seja livre. Um miserável não pode ser livre, pois segundo Hegel o direito de ter é um direito universal e não somente de alguns particulares. Desse modo o Direito, para Hegel, é a ideia da efetivação da liberdade que compreende o direito de ter, o direito de ser livre e o direito de ter e ser livre. A professora da UECE justifica sua análise a partir da constatação de que, na atualidade, o direito de ter, numa sociedade moralmente antagônica, não é cumprido.

Supondo que a experiência do nós ético-histórico, a comunidade, o povo, forma parte da idiossincrasia cultural de nossa América, o professor Juan Carlos Scannone procura situar uma ética inculturada a partir da perspectiva latino-americana. Trata do próprio conceito do nós ético-histórico e de sua eticidade. Aborda a compreensão do "nós" e, a seguir, a racionalidade ética que corresponde a tal compreensão.

Analisar o pensamento estético de Platão e sua relação com a formação do homem, mostrando que sua concepção estética vai muito além da esfera da arte é o objetivo de Juan Carlos Mansur. Procura mostrar que em Platão, enquanto amante da beleza, a reflexão estética transita na esfera da moral, da ciência e da metafísica, não sendo, por conseguinte, o atributo estético da beleza campo exclusivo da arte. Ou seja, a beleza permeia toda a filosofia de Platão desde sua metafísica e cosmologia, passando por sua filosofia da natureza, até chegar a todas as atividades humanas, tais como, a ciência, a política, a ética.

A crítica da verdade tem sido tônica do pensamento de muitos autores da contemporaneidade. Destes, Sandro Cozza Sayão destaca a obra do filósofo lituano/francês Emmanuel Levinas em sua crítica à ontologia e na defesa da exterioridade como alteridade. Em seu escopo o artigo que apresentamos traça uma análise da precariedade e finitude de nossos ditos, assim como da impossibilidade destes darem conta da dimensão maior do dizer da vida. A idéia é dar ênfase à precariedade, à complexidade e à imponderabilidade de nossos discursos e nossos saberes.

Sofia Miguens, professora de filosofia na Universidade do Porto, procura descrever a posição da filósofa norte-americana Cora Diamond acerca da natureza do pensamento moral e do que pensamos que fazemos quando fazemos filosofia moral. Por trás da análise do papel da imaginação moral em ética está a questão mais geral da natureza do método filosófico. Cora Diamond, uma especialista de Frege e Wittgenstein, que os lê dando especial atenção à filosofia da linguagem, do pensamento, da lógica e da matemática, é fortemente crítica de uma certa forma de conceber a natureza da filosofia moral, muito comum hoje entre os filósofos analíticos, como exclusivamente centrada na ação e na decisão de agentes e em argumentos acerca daquilo que é racional fazer. Foi essa crítica, que podemos considerar feita de um ponto de vista metodológico, que fez Cora Diamond entrar em polêmica, há cerca de trinta anos atrás, com autores muito influentes em ética como Peter Singer e Tom Regan, mesmo se partilha com eles muitas intuições.

Paulo César Nodari e Fernando Saugo abordam os conceitos de esclarecimentoeducação e autonomia na concepção do filósofo Immanuel Kant. Para tanto, analisam o conceito esclarecimento, a fim de compreender de que modo, em Kant, se dá a passagem do homem de seu estado de menoridade à maioridade. Também procuram evidenciar a tese kantiana de que a emancipação do homem não se dá sem a educação. E, por fim, à luz da análise feita dos dois conceitos-base deste trabalho monográfico, esclarecimento educação, investigam a conexão entre ambos, procurando sustentar a tese de que esclarecimento educação estão conectados com a autonomia moral.

Elnora Gondin e Osvaldino Marra Rodrigues pretendem demonstrar que a posição original, em John Rawls, é um recurso heurístico para pensar as questões de justiça. A posição original é um procedimento que faz parte das condições de elegibilidade dos princípios de justiça. Esse artifício é definido como procedimentalismo puro; aquele onde os procedimentos justos garantem os resultados justos.

Resta-nos, por fim, desejar uma ótima leitura a todos!

Texto Completo: http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conjectura/issue/view/3/showToc

Conjectura: filosofia e educação

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