Editorial v.33 n.69 set./dez. 2019: Dias melhores demorarão, mas continuaremos na faina!

v.33 n.69 set./dez. 2019 • Educação e Filosofia

Autor: Marcos César Seneda

Resumo:

Ao apresentar ao público mais um novo número, o sexagésimo nono, a Revista Educação e Filosofia completa o volume trinta e três, e celebra, entrincheirada, mais um ano de resistência. A UFU nesse momento acompanha todas as outras universidades federais, em travessia tão difícil como essa pela qual passa a ciência em território brasileiro, desacreditada e desconsiderada em sua tarefa iluminista e em sua função de lançar as bases de um projeto nacional de desenvolvimento tecnológico, acesso à saúde, ampliação da cidadania e cultivo plural das formas de expressão. São desafios ingentes para esta e outras revistas o contingenciamento de verbas por parte do MEC, a desestruturação da Editora da UFU, uma desaceleração total dos financiamentos fornecidos pela FAPEMIG para a pesquisa e para os periódicos. Mesmo assim, comemoramos esse número difícil e suado em ritmo de resistência. Continuamos na faina! Em meio a todas as adversidades e motivos fortes para parar, a Revista continua publicando, os pesquisadores seguem investigando e a ciência reúne forças para procurar dias melhores.

Junto com suas irmãs, a Revista Educação e Filosofia tem conseguido sobreviver nesse cenário de desolação. Mantivemos nossas publicações quadrimestrais, editando, quase sempre, cinquenta peças por ano, todas arbitradas por pareceristas especializados. Implementamos DOI e Orcid, que são recursos utilizados para certificar os artigos e os pesquisadores. Ainda atendemos às exigências de indexadores que operam mundialmente, multiplicando a circulação dos artigos científicos e assegurando a utilização eficaz das pesquisas.

A Revista Educação e Filosofia, é preciso assumir esse ônus, está sendo publicada com atraso, mas, também é preciso frisar, ainda assim está sendo publicada com seus números completos, com os trâmites integrais e com os aspectos formais assegurados, oferecendo ampla divulgação aos artigos que recebe. Para plataformas especializadas, ela tem conseguido oferecer os seus números em XML. O que parece pouco, recobre-se de significado numa época em que as revistas de acesso livre concorrem com as grandes editoras, que sobrevivem principalmente com artigos advindos de instituições públicas, e que ou vendem aquilo que nunca compraram, ou cobram caro de quem produz ciência para poderem disponibilizar pesquisa de ponta de modo supostamente gratuito para o leitor especializado. Na outra ponta, temos os professores isolados, em geral, professores doutores, que têm de cumprir as tarefas da instituição – ensino, pesquisa, extensão –, e além disso funções especializadas para as quais nunca se especializaram, e para as quais as grandes editoras contratam diversos bons funcionários para executá-las bem. São professores que põem a revista dentro de um laptop e a levam para casa, para resolver todos os problemas em horários impensáveis de trabalho. É claro que não podemos tratar isso com nenhuma dose de maniqueísmo, mas é igualmente compreensível que o capitalismo da cientometria não consiga gerar o mínimo do sentimento do respeito, pois retira avidamente seus produtos de um substrato no qual nunca investiu. E causa espécie, por sua vez, a subserviência do sistema de avaliação, que entende a anglicização como sinônimo de internacionalização, condenando à ineficiência aquilo que está muito acima de cada um de nós, a nossa expressão maior, a própria língua portuguesa.

Nesse cenário, é espantoso que as revistas de acesso aberto, entrincheiradas, com movimentos muito dificultados, cada vez com menos insumos e sendo obrigadas a falar outra língua que não a portuguesa, resistam, sobrevivam, contra tudo prosperem. Por mais sem sentido que seja, ainda assim nós temos muito a comemorar!

Vamos então a esse extraordinário e lúcido sobrevivente, o número sessenta e nove, que fecha o volume trinta e três da Revista Educação e Filosofia. Ele apresenta um dossiê muito importante e singular sobre o debate ocidente/oriente, nove artigos e duas resenhas.

O dossiê, coordenado e apresentado por Antônio Florentino Neto e Lucas Nascimento Machado, traz uma importante contribuição para se pensar o diálogo entre oriente e ocidente. Acolhendo temas muito atuais, ele discute a singularidade de nossa modernidade, as definições teóricas e usos práticos contextualizados da razão, a correlação entre desenvolvimento econômico e a base material de nossa modernidade, as estruturas de subjetivação no ocidente e no oriente, a clivagem imposta pela especialização crescente da ciência. Todos esses temas são tratados no interior dessa oposição/interação entre ocidente e oriente, e são cultivados do ponto de vista cultural, antropológico, teológico e filosófico. Reunindo pesquisadores de diversas formações e procedências, como teria de ocorrer em um tema multidisciplinar, o dossiê dá expressão aos seguintes temas e respectivos autores: Atomic individual and relational individual: The bases of the formation of subjectivity in the West and China, de Antônio Florentino Neto; Temas aristotélicos en La determinación autoperceptiva de la Nada (1932), de Nishida Kitarô, de Agustin Jacinto Zavala; Ética e subjetividade no Budismo chinês contemporâneo, de Joaquim Monteiro; The chinese model and chinese wisdom of modernization, de Li Xiaodong; Liberdade e eticidade: o diagnóstico crítico da modernidade política em Hegel, de Marcos Lutz Müller; The paths and the ways: an insight into transdisciplinarity, de Paul Gibbs; Razão (jñ?na) e devoção (bhakti) no Advaita Ved?nta: Madhus?dana Sarasvat? (séc. XVI) e o Bhagavad G?t?, de Dilip Loundo. Uma descrição mais detalhada de cada artigo pode ser encontrada na apresentação do próprio dossiê, que deve colaborar muito para divulgar esse debate no país. Sobretudo, ele se oferece como bibliografia privilegiada para todos aqueles que entendem que é fundamental tratar de forma dialógica as diferenças teóricas e os desenvolvimentos plurais de socialização.

Por fim, gostaríamos de ressaltar que o dossiê traz ainda um artigo que pode ser predicado com tudo aquilo que o trabalho do ourives encerra, um escrito bem dilapidado, cuidado em cada detalhe e de valor inestimável para a Revista Educação e Filosofia. Trata-se da mencionada contribuição Liberdade e eticidade: o diagnóstico crítico da modernidade política em Hegel, de Marcos Lutz Müller. Por se tratar, possivelmente, da publicação de um dos últimos textos desse reconhecido professor e pesquisador, cabe aqui uma breve nota do seu passamento. Faleceu na tarde do dia 15 de setembro de 2020, o Professor Marcos Lutz Müller. Sendo muito conhecido de todos nós, Marcos Lutz Müller foi figura de destaque durante décadas do desenvolvimento do pensamento filosófico no Brasil. Tendo feito toda a sua trajetória como professor na Unicamp, participou da abertura e consolidação do Curso de Graduação em Filosofia da Unicamp e foi um dos fundadores da Sociedade Hegel Brasileira. Intensamente e conceitualmente, muito fez pela divulgação do pensamento de Hegel no Brasil, principalmente por sua leitura crítica e com crivos rigorosos de interpretação. Em sala de aula era um professor sereno, amigo, mas sempre pautado por um alto nível de critérios exegéticos e padrões metodológicos. Era exímio para explicitar e desdobrar conceitos, demorando-se longamente num encadeamento que considerasse importante. Sempre passou para os alunos o gosto pelo rigor, o respeito com o tempo e o ritmo na produção universitária, e o zelo pela referência elucidativa ao original. Por tudo isso e pelo mais que nessas linhas não pode ser expresso, a Revista Educação e Filosofia registra aqui o seu reconhecimento e a sua homenagem.

ISSN: ISSN Impresso: 0102-6801 e ISSN Eletrônico: 1982-596X

DOI: https://doi.org/10.14393/REVEDFIL.v33n69a2019-58696

Texto Completo: http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/58696

Palavras-Chave: Capitalismo da cientometria. Anglicização. Dias melhores demorarão.

Educação e Filosofia

A Revista Educação e Filosofia mantida pela Faculdade de Educação e pelo Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia e seus respectivos programas de pós-graduação tem como propósito o incentivo à investigação e ao debate acadêmico acerca da educação e da filosofia em seus diversos aspectos, prestando-se como um instrumento de divulgação do conhecimento especialmente dessas duas áreas. Está indexada em 11 repertórios nacionais e internacionais e atualmente está avaliada no Qualis da CAPES com estrato A2.