Por uma injustiça, dois Platões: tempo e genealogia em F. Nietzsche e M. Foucault

v. 5, n. 1, jan./jun. 2014 • Estudos Nietzsche

Autor: Felipe Figueiredo de Campos Ribeiro

Resumo:

Este artigo pretende explorar as leituras que Friedrich Nietzsche e Michel Foucault, respectivamente, fizeram da filosofia de Platão, na medida em que esta interessa e se articula às temáticas da vida/existência e das relações entre presente e passado (história) no pensamento de cada um dos dois primeiros autores mencionados. Tem-se, em Nietzsche e em Foucault, dois diagnósticos, em certa medida, opostos sobre os efeitos que a filosofia de Platão teria surtido na cultura ocidental. Como compreender esta diferença de interpretações entre autores que entre si estabelecem reconhecida herança e conexão filosófica? Hipótese do trabalho: o gesto de Foucault enquanto genealogista, no momento tardio de seus trabalhos, parece preservar uma relação profunda - a mais profunda ao longo de sua obra - com o modo nietzschiano de fazer filosofia. Isto, na medida em que tal gesto contraria a interpretação de Nietzsche sobre o nascimento – com Platão - da Filosofia. Seguindo a premissa de que a presença de Nietzsche nos trabalhos de Foucault não é apenas nominalmente explícita, mas também (e, sobretudo) oculta, recorreu-se analiticamente - justificando-se o porquê disto - a um texto de juventude do primeiro autor; texto este que o segundo, no mais das vezes, não tomou diretamente como foco proeminente de seus interesses e análises: a Segunda Consideração Extemporânea (1874). À luz deste texto, localizei de forma cotejada importantes modificações ocorridas ao longo do desenvolvimento dos trabalhos de Foucault; modificações estas que seguem uma lógica de aproximação cada vez mais estreita ao pensamento histórico do Nietzsche. Ao culminar nos dois últimos cursos proferidos por Foucault no Collège de France (1983/1984), identifiquei presentes – em partes, propiciado pela função que os Diálogos platônicos exercem nestes cursos - alguns elementos novos que tornam seu pensamento histórico tanto mais afiliado ao de Nietzsche. A questão do presente, tal como elaborada no mencionado texto deste autor - e declarada por Foucault como sendo a tradição por ele seguida - é a pedra de toque à compreensão de como e porque dois diagnósticos distintos e inconciliáveis a respeito de um mesmo objeto não dão prova de inconsistência; mas, ao contrário. A diferença de diagnósticos faz jus aos registros da criação-ação-atividade presentes no texto nietzschiano; assim como também faz jus, arrisco, às elaborações foucaultianas a propósito do dizer-a-verdade arriscadamente em sua relação com o dar prova da própria vida (bios).

Abstract:

This article aims to explore the readings that Friedrich Nietzsche and Michel Foucault, respectively, made of Plato’s philosophy, insofar as these readings are linked to the themes of life/existence and the relations between present and past (history) within the thought of each of the first two authors mentioned. There can be found in Nietzsche and Foucault two diagnoses, to some extent opposites, concerning the effects that Plato’s philosophy would have produced in Western culture. How is this difference of interpretations to be understood, between two authors who establish a strong heritage and philosophical connection with each other? Hypothesis of the study: the gesture of Foucault as a genealogist in the late stage of his work, appears to preserve a deep relationship - the deepest throughout his work - with Nietzsche’s form of philosophy. This is true to the extent that this gesture contradicts the Nitzschean interpretation of the birth of Philosophy – with Plato. Following the assumption that the presence of Nietzsche in Foucault’s work is not only nominally explicit, but also (and especially) implicit, I have given focus analytically – the reason for which is justified - to one early text of the first author; a text that Foucault, in most cases, has not taken directly as a prominent focus of his interests and analises: The Second Intempestive - On the advantage and disadvantage of history for life (1874). In light of this text, I have found significant changes which occurred during the development of Foucault’s late works; changes which establish, in new aspects, a close relation with the historical thinking of Nietzsche. Analysing the last two of Foucault’s courses delivered at the Collège de France (1983/1984), I identified - in part fueled by the function that the Platonic Dialogues play in these courses - some new elements that make Foucault’s historical thought even more affiliated to that of Nietzsche. The question of the present, as developed in the Second Intempestive - and declared by Foucault as a tradition that his thinking would follow -, is the cornerstone to understanding how and why two distinct and irreconcilable diagnoses about the same object do not offer proof of inconsistency; but on the contrary. The difference of diagnoses is compatible with the thematic thread of creation-action-activity present in Nietzsche’s text; while also being compatible, I would venture to suggest, with Foucault’s elaborations on fearless speech in its relation to the proof of life (bios).

Texto Completo: http://www2.pucpr.br/reol/index.php/ESTUDOSNIETZSCHE?dd1=15256&dd99=view

Palavras-Chave: History,Present,Genealogy, Nietzsche, Foucau

Estudos Nietzsche

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