A aura na era do seu anunciado declínio: Em torno de Cópia fiel, de Abbas Kiarostami
Viso · Cadernos de estética aplicada N° 10 • Viso: Cadernos de Estética Aplicada
Autor: João Pedro Cachopo
Resumo:
As linhas que se seguem debruçam-se sobre um filme recente do realizador iraniano Abbas Kiarostami, Cópia fiel (2010), e nele mergulham para reflectir, de uma perspectiva contemporânea, sobre as noções de cópia, de ficção, de simulacro e, em certa medida surpreendentemente, de aura. Dão ensejo a estas reflexões o “tema” e a “estrutura” do filme: o facto de nele um historiador de arte discorrer sobre o valor da cópia em arte (e na vida), e a circunstância de a certo ponto, sensivelmente a meio do filme, os seus dois protagonistas (o historiador e uma coleccionadora de arte com quem trava conhecimento em Itália) parecerem simular um relação amorosa. A certa altura, as certezas do espectador vacilam: James e Elle conheceram-se há pouco (como sugere a primeira parte do filme), ou mantêm uma relação desde há muito (como quem visse apenas a segunda parte do filme julgaria). A resposta parece indecidível. Uma ficção desdobra-se no interior de outra; porém nenhuma tem primazia; a cópia (a ficção fictícia) torna-se independente do original (a pretensa ficção verdadeira); sobrevém um simulacro. Mas qual é o poder deste? Até que ponto a ficção poderá transformar a vida, resgatá-la à banalidade, transfigurá-la? É a partir de perguntas como estas que arriscaremos a hipótese paradoxal de uma cópia provida de aura. Com esta hipótese (com a qual se subverte a associação tradicional entre aura e original), é o poder transformador da arte (em relação com a vida) que permanece em jogo, para lá e independentemente da falência da distinção entre cópia e original.
Abstract:
The following text focuses on a recent film of the Iranian director Abbas Kiarostami, Certified Copy (2010), and delves into it in order to reflect (with an eye to the present) upon the notions of copy, fiction, simulacrum, and, surprisingly enough, aura. One comes up against these issues due to the “theme” and the “structure” of the movie: considering that it features an art historian discussing the value of copy in art (as in life), and that suddenly, in the middle point of the film, both protagonists (the art historian, and a woman with deep interest in art, with whom he gets acquainted in Italy) seem to act out a relationship. The spectator’s certainties fade out: have James and Elle recently met each other (as the first part of the film suggests), or do they maintain a relationship long since (as whoever watches the movie, having missed the first part, would guess)? The answer turns out to be undecidable. A fiction unfolds within another fiction; however, none of them have primacy; the copy (the fictitious fiction) becomes independent from the original (the alleged true fiction); a simulacrum comes to the floor. How powerful is the latter? To what extent might a fiction transform life, rescue it from banality, or transfigure it? These questions encourage us to hazard the paradoxical hypothesis of there being a copy with aura. By this hypothesis (as we subvert the traditional association between aura and originality), it is the very transforming power of art (with regard to life) that remains at stake, beyond and independently of the bankruptcy of the distinction between original and copy.
Texto Completo: http://revistaviso.com.br/visArtigo.asp?sArti=79
Palavras-Chave: Kiarostami , cópia ,simulacro, aura,copy , s
Viso: Cadernos de Estética Aplicada
viso s.m. 1 modo de apresentar-se, aparência, aspecto, fisionomia 2 sinal ou resquício que deixa entrever algo; vestígio, vislumbre 3 recordação vaga; reminiscência 4 modo de ver, opinião, parecer 5 o cume de uma elevação, monte ou montanha 6 pequena colina, monte, outeiro 7 obsl. o órgão da visão, a vista. ETIM lat. visum ‘visão, imagem, espetáculo’.