Cinema e Ontologia Crítica: reflexões a partir da sétima arte

Ronaldo Vielmi

Professor Adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora

12/09/2024

Paulo Henrique Araujo, Julia de Almeida Maciel Levy Tavares, Sávio Freitas Paulo (Orgs.)
Consequência Editora, 2024 | Link para compra
 

Fruto de um ciclo de debates e análises sobre o cinema, realizado nos anos de 2022 e 2023, o livro em questão expressa um conjunto de análises e investigações sobre a relevância da 7ª. arte na compreensão dos desdobramentos e desafios sociais de nosso tempo. Amparado pelo amplo cabedal crítico da obra de György Lukács, o Grupo de Estudos e Pesquisa em Ontologia Crítica da Universidade Federal Fluminense (GEPOC-UFF) em conjunto com a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, realizou um ciclo de 10 encontros, que teve dentre seus objetivos apresentar a obra póstuma de György Lukács, Para uma ontologia do ser social, à luz da discussão de uma seleção significativa de mostras cinematográficas cuidadosamente selecionadas.

A ideia que subjaz às exposições e análises dos filmes tem por base a determinação da arte autêntica como aquela que visa desvelar como os indivíduos, vivenciando o seu destino de gênero, pode alçar a uma individualidade capaz de se tornar um elemento indispensável para a construção do gênero humanamente mais elevado. Valendo-nos das palavras de Lukács: “Toda grande arte tem, como vimos, a tendência de mostrar por meio de destinos humanos individuais, se necessário por meio de conflitos trágicos, o percurso que leva os homens da generidade em si dada naquele momento rumo a uma generidade para si possível a partir daí - mesmo que, naquela época, ela ainda não estivesse empiricamente realizada e eventualmente nem fosse realizável em termos sociais universais.” [Ontologia, II, p. 707]

O projeto levado a cabo pelos autores do livro, conflui em grande medida com as pretensões de Lukács, na qual o pensador húngaro intencionava escrever a terceira parte de sua Estética, onde trataria das determinações e propriedades históricas das artes, conferindo ênfase a seus desdobramentos, suas crises, assim como o papel de guia, de crítica ou de subordinação das artes aos ditames impostos pela sociabilidade. Nesse sentido o projeto conduzido pelo grupo de professores e discente é tributário da herança deixada pelas reflexões do pensador húngaro.

A exemplo do que Lukács realizou em grande parte de sua trajetória intelectual, na qual figuram análises importantes sobre autores e obras literárias, os artigos ora disponibilizados ao público, pretendem dar continuidade aos projetos e desafios teóricos deixados pelo pensador húngaro. Segue a trilha da herança lukácsiana na medida em que assumem para si a tarefa de dar prosseguimento à analítica da missão social da arte. Tarefa que pode ser sintetizada na necessidade decisiva – não apenas em nossos dias, mas no decurso dos desdobramentos históricos humanas – de estabelecer “uma crítica da vida”. Subjaz aos textos a seguinte determinação de Lukács: a arte visa retirar o indivíduo da estreiteza de sua vida cotidiana, dos limites da singularidade de suas meras vivências restritas à imediaticidade de suas experiências, levando-o a alcançar a particularidade do gênero. Visa alçá-lo às dimensões humanas mais relevantes, àquelas que possam conduzir o indivíduo à percepção da autoconsciência humana. Em grande medida esse é o critério da escolha das obras selecionadas para exibição e análise, nelas, como demonstram as análises realizadas nos artigos do presente livro, encontram-se elementos capazes de pôr em destaques problemas centrais da atualidade, questões decisivas para as individualidades contemporâneas, de forma a permitir a crítica das formas de estranhamento hoje vigentes. Cumprem os artigos aqui presentes, trazer a dimensão necessária das obras estéticas como elementos privilegiados da desfetichização da vida. Assim, contribuem não apenas para a compreensão das formas da individuação hodierna, mas também para apontar caminhos que possam conduzir a condições concretas de superação dos limites impostos à emancipação humana presentes na sociabilidade do capital.

De modo algum os artigos que compõem o livro se reduzem à mera aplicação das reflexões lukácsianas às análises e comentários dos filmes. Pelo contrário, ao tomar por base a obra de Lukács as discussões empreendidas procuram desdobrar as categorias da estética e da ontologia desenvolvidas pelo pensador magiar, de forma a destacar o vigor de seu pensamento para a compreensão da realidade e, ao mesmo tempo, elencar novos elementos que contribuam para a reflexão da sociabilidade contemporânea. As “reflexões a partir da sétima arte”, por meio de um critério rigoroso de seleção das amostras cinematográficas, contribui de maneira decisiva para dois movimentos necessários ao pensamento filosófico de nosso tempo: tanto para o resgate de um dos mais importantes pensadores marxistas do século XX, assim como retomar a ênfase da missão social da arte, como forma de compreensão e transformação da realidade social.