Racionalismo crítico contra o totalitarismo: Ciência e Política - Karl Popper

Andrêi Baruk Silva Cunha

Graduado em Filosofia pelo instituto de filosofia e teologia de Goiás (IFITEG); Mestrando em Ciências da Religião na PUC Goiás

28/08/2024

de Ana Kelly Souto, Racionalismo crítico contra o totalitarismo: Ciência e Política - Karl Popper
Porto Alegre: Fi, 2023 | Acesse aqui

A autora Ana Kelly Ferreira Souto tem graduação e mestrado em filosofia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Ainda no ano de 2023 a pesquisadora possui em seu currículo dois doutorados em andamento, a saber, um deles em filosofia (UFG), outro em Ciências da Religião (PUC-Goiás). Além da obra em foco nesta resenha, Souto tem participação em outros trabalhos, como por exemplo o livro “Espiritualidades[1]” e uma expressiva atuação acadêmica, com artigos, entrevistas, organizações de eventos, geralmente com questões voltadas para área da filosofia, ciência e/ou espiritualidade e Religião.

A obra “Racionalismo crítico contra o totalitarismo - ciência e política Karl Popper”, é a 2 º edição do livro publicado há dezessete anos pela escritora[2]. Esta segunda edição um pouco mais extensa que a primeira, apresenta um estudo que aborda de maneira pedagógica uma figura importantíssima para a filosofia da ciência, o filósofo Karl Popper e as especificidades do seu pensamento. Ainda que muitos estudiosos tenham um certo dessabor com relação as propostas e as críticas do dito filósofo, “Uma das virtudes de Popper é que não é possível simplesmente ignorá-lo, devemos enfrentá-lo” (pág. 9), afirma, o autor da apresentação à primeira edição da obra, Gonçalo Armijos Palácios.

Como dito anteriormente, a segunda edição, diferente da que se encontra esgotada a bastante tempo, conta com um significativo número de páginas maior que a primeira. Afinal, é compreensível que o autor que revisitou as suas pesquisas para trazer novamente à luz questões tão pertinentes, como por exemplo o conteúdo do trabalho desenvolvido por essa autora, aprimore as ideias e conceitos.

O objetivo da autora neste trabalho foi desenvolver uma compreensível apresentação que explicasse ao leitor o racionalismo crítico na filosofia política de Karl Popper.  Ressaltamos a palavra política, porque segundo ela, depois de percorrer parte do itinerário adotado para sua pesquisa e que logo abaixo vamos exemplificá-lo, o leitor compreende que o racionalismo crítico vigente em toda filosofia Popperiana se encontra de maneira mais incisiva na filosofia política de Popper.

O livro foi dividido em quatro sessões (ou capítulos), cada um com uma temática geral que se desdobra de maneira fluída para o mais específico do objetivo de cada bloco. No primeiro capítulo, para introduzir o leitor ao universo popperiano, o filósofo foi primeiramente situado em seu contexto histórico. Leitores que possuem algum conhecimento em Popper podem estranhar a escolha da pesquisadora em iniciar o capítulo dessa forma, visto que a filosofia popperiana dispensaria as honras do historicismo. No entanto, vale destacar a coerência filosófica da pesquisadora, consciente do seu percurso,

Mencionar o contexto histórico de Popper pode parecer paradoxal ou inadequado, pois uma de suas teses defende que a História não tem sentido [...] entretanto, creio que podemos melhor compreender e explicar o pensamento do filósofo entrevendo a História (SOUTO, 2023, p. 18)       

Analisar o contexto foi apenas o primeiro passo para que a autora desenvolvesse um dos objetivos do capítulo, isto é, apresentar a crítica de Popper à filosofia de Hegel[3] e Marx[4]. Segundo a filósofa, a aversão de Karl Popper com relação a Hegel se pautava na compressão do filósofo alemão enquanto o responsável pelo retorno da filosofia platônica totalitarista. O exercício filosófico de Hegel, para Popper, só aconteceu em termos da mais alta desonestidade, e ainda mais, para ele não nunca existiram novidades nas propostas do dito filósofo, apenas interesses de poder. Já a crítica à Marx se dá mais especificamente sobre a questão da sua adesão ao método historicista.    

Ainda no primeiro capítulo a autora desenvolveu questões como as formas de conhecimento e o sentido da história para Popper. Expôs a compreensão de que, para o filósofo, além da observação dos fatos o caráter reflexivo também compõe a forma, a maneira de pensar e ser do homem. Por isso é preciso o uso do método científico para se aproximar da “verdade”, pois, ele garante de maneira eficaz uma atitude mais objetiva do homem diante dos seus pré-conceitos tão decorrentes das próprias impressões.

No segundo capítulo a autora investigou as bases teóricas para a política de Karl Popper, é nesta parte do livro que compreendemos a explicação do próprio título da obra. Afinal, nesta sessão questões como a compreensão de totalitarismo, historicismo e principalmente uma análise minuciosa a respeito do método científico do filósofo (Princípio de falseabilidade, onde uma teoria cientifica é formulada de maneira que ela possa ser testada e passível de refutação) são abordadas de forma pedagógica.

Na terceira parte do livro, o leitor compreende aquilo que anteriormente afirmamos ser o objetivo da autora. Ou seja, a compreensão da política, da filosofia política de Popper. Nesta parte do texto se apresenta a importância da dimensão democrática liberal enquanto um sistema mais humanitário, pois está aberta, não é um sistema fechado.  Este capítulo basicamente se divide em quatro tópicos, que discorre sobre os princípios do liberalismo, da democracia, a engenharia social da ação gradual e os objetivos da política.

Popper reconhecia que o critério de falseabilidade poderia ser aplicado não apenas na ciência como também às proposições filosóficas. No quarto capítulo, a autora investiga a falseabilidade do pressuposto político popperiano, ou seja, ela submete o autor ao seu próprio método. E neste momento do texto encontramos as mais variadas críticas, como por exemplo, a que Popper em sua filosofia política, talvez não se tenha libertado dos próprios interesses e valores conforme exigia seu próprio método. Isso é afirmado depois de sustentada a argumentação de que a filosofia de Popper é por demais “ocidental centrista”.

A obra de forma geral é um excelente subsídio para pesquisas no campo da filosofia e áreas correlatas sobre o pensamento de Karl Popper. Visto que a argumentação da autora foi construída a partir de autores e pesquisas relevantes sobre o seu objeto de estudo. Outro ponto positivo é a linguagem clara e precisa no decorrer da explicação dos conceitos, pois isso contribui para que o leitor se sinta bem seguro no processo de compreensão até mesmo das partes de mais densidade conceitual.

Após a leitura de todo o texto as observações feitas na apresentação se comprovam de forma efetiva. Pois este trabalho contribui de forma prática para uma maior popularização do autor e suas propostas, sobre a sua grande influência para a filosofia, para a política, sociologia e os mais variados campos do saber.


Notas

[1] PINTO, Ana Kelly Ferreira Souto; Martins, JR ; Ecco, clóvis ; Carvalho, Daniel . Espiritualidades - múltiplos olhares. 1. ed. Porto Alegre: FI, 2022. v. 1. 280p

[2] A obra em questão é seguinte: SOUTO, Ana Kelly F. Popper - ISBN 85 - 88 227 - 66 - 5. Goiânia: Deescubra, 2006. v. 1. 123p. 

[3] Friedrich Hegel (1770-1831) foi um filósofo alemão, escreveu obras de grande relevância para o seu tempo, como por exemplo “Fenomenologia do Espírito” publicada em 1807.

[4] Karl Marx (1818–1883) filósofo, sociólogo, escritor de várias obras, também de grande relevância para o mundo da filosofia e as mais variadas áreas de conhecimento. Por exemplo: “O manifesto comunista” (1848) ou o “O capital” (1867).